quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Vem sentar-te comigo, Lídia - Ricardo Reis


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.



OBS.: Muitos já leram este poema como sendo de Fernando Pessoa. Vale ressaltar que Pessoa possuía heterônimos(eu-lírico com biografia, história, formação, com personalidades distintas, e em suas obras, assinavam como estes. Ricardo Reis, é um dos heterônimos do Nando. Logo, é muito comum encontrar textos dele, bem como os de Alberto Caeiro ou Álvaro de Campos, assinados com autoria de Fernando Pessoa.
É válido ressaltar também que o poeta português possui obra Ortônima ( Fernando, Ele mesmo), e escreve livremente, sem se prender aos padrões ou pensamentos dos hortônimos. Porém, é um tanto inevitável não ter pontos de contatos, pois a mão que escreve é a mesma.

Um comentário:

  1. Essa sua observação é uma grande verdade! Curti o seu post, hahaha. Acho uma dádiva textos assim. (:

    Beijos,
    http://eppifania.blogspot.com/

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