Noite de
lançamento na livraria. Mais uma. Ela estava presente, ansiosa. Para ele, uma
noite qualquer.
Enquanto ela
esperava com muita expectativa que o arrebol daquele dia logo chegasse.
Para ele, um dia de trabalho comum em que cairia bem passar numa livraria mais
próxima para tomar um café e folhear mais um livro de Direito constitucional (Clemerson Melin Cléve & Luiz Roberto Barroso,
talvez). O fato é que, esperassem ou não, estavam ali, no mesmo lugar, sem hora
marcada por eles.
Ele
já estava para fechar o último livro que apreciou e seguir para o caixa.
Percebeu o lugar mais movimentado que o casual e soube que haveria um
lançamento de uma escritora de crônicas. Por que não ficar? Ela, ansiosa,
correndo completar a mesa dos participantes do evento (tinha 10 minutos), se
esbarra no senhor de olhos esticados, que toma um susto com o tombo inesperado.
-
Ai moço, desculpa. Não era minha intenção...
-Nunca
é. Mas bem que acho que você tem cara de quem planejou se esbarrar em mim, hein?
Tombo doloso?
Ela
levantou o olhar, sorrindo como quem sorri quando encontra algo que não achou
quando procurava incansavelmente e encontra sem menos esperar:
-Não,
acreditoo. China, quanto tempo!
-Pois
é, Rosinha. Quanto tempo! Vem cá, me dá um abraço.
-Seu
abraço está diferente.
-Ahh,
são muitos anos sem nos ver... Mas achei o seu melhor agora... RS!
-Deve
ser a saudade. Eu senti, sabia? Todo esse tempo. E como não sou orgulhoso como
você, não vejo problema em assumir... E você, sentiu?
-Você
e suas provocações... Senti sim. Senti mas passou. Acho que caiu na
indiferença, sabe?
-Como
assim passou? Sem ter me visto? Saudade só passa quando a gente mata, se isso
não aconteceu você pode ter ilusoriamente ter tentado esquecer, mais sei não...
Seu abraço não foi de quem não sentiu falta.
-Hum,
hum. Sim, Dr. Saudade culposa?
-Culposa,
por que?
-
kkkkkkkkkkkk. Lembra das longas discussões que tínhamos com
questionamentos infinitos sobre amar, ciúmes, criação, sentir saudade? Hum...
Isso daria horas a fio de discussão.
-Hum
hum. Daria mesmo. Ou melhor... Pode dar. Mas por que ri?
-Porque
a maioria delas começava com um “humhum” meu ou com um “por que?” seu.
-É
sim, e muitas vezes invertíamos os papéis. Como se fôssemos uma extensão um do
outro...
-E
seu filho, como está?
-Está
bem. Passou no vestibular esse ano para cursar direito.
-Mas
ainda há tempo de mudar...
-E
por que mudaria?
-Ah,
porque possa ser que descubra que fazer Letras pode ser mais prazeroso.
-Só
se você fizesse uma bruxaria, talvez. Falando nisso ele até pelo Bahia ele
vibra menos, acredita? ... Nisso você não mudou. Piadas sem graça continuam
marcando você... Rs.
-Ta,
ta, ta, mas...
-Calma.
Não vamos brigar não. Depois de tanto tempo sem nos ver, temos de comemorar. E
tem que ser agora! Hoje tem um lançamento aqui na livraria. Algum louco que
deve ter feito letras também. Vem, senta comigo, me acompanha no café?
-
Rs... É, sim. Mas agora não dá. O lançamento é da louca aqui, rs!
-Sério?
Livro com textos como aqueles lá do blog que você escrevia?
-Esse
é de crônicas, apenas. Os textos do blog não sei se publicaria. Mas já estou
atrasada. Preciso compor a mesa, tenho pouquíssimos minutos. Me espera? Daí
você nos acompanha no café?
-
Nós = Você e os outros escritores?
-
Ah, não. Nós = eu e o Marcelo.
-Um
sócio?
-Não.
O marido.
-Seu
marido?
-“Meu”?
Não. Acho que ele não é “meu”... Sem posses, lembra? Acho que aprendi com isso.
Mas estamos casados, sim. Por que? Não poderia casar-me? Por que?
-Calma.
Não, não é isso. Rs... só é novidade. Foi muito tempo sem nos ver e por um
momento ainda acreditei que...
Um
toque no ombro e uma voz masculina firme interrompe o esclarecimento:
-Licença.
Tudo bem amigão? – e virando-se para ela, cumprimenta com beijo doce social:
Amor, só estão esperando por você. Faltam exatamente 2 minutos para começar.
Vamos?
-Vamos,
sim.- voltando-se ao velho amigo-: - China, nos espera?
-Não
sei, Rosinha. Estava pensando em...
-Pretinho,
por favooooor...
Ele
pensa: “Poxa ela continua pedindo da mesma forma, mas que ela tá pensando? Não
fico, não. E se o tal Marcelo não interagir na conversa? Se o cara for
ciumento? Se maldar nossa amizade de há tanto tempo? E por que ela...” Quando
teve sua concentração mais uma vez interrompida. Agora por um por um abraço,
tipo de criança quando faz “oh oh oh”, seguido de um pedido quase apelo:
-Fica?
-Tá, ta, tá bom, Rosinha. Eu fico! Só um
café, né? Eu fico...