domingo, 29 de julho de 2012

Quantos pintos você matou?


-Quantos pintos já matou?
-Tá de graça, né? Eu lá tenho ganja?
-Olha lá que tem. Todos temos uma granja ao dispor.
-Lá vem você com essa maluquices. Qual foi agora?
-Nada não... só reflexões bobas após ter lido um conto aí... Mas deixa pra lá.
-Tá doida pra falar né?
-Ah, se você quiser ouvir...
-Cara dura! Tá louca para contar, diz logo.
-Foi a Legião estrangeira, de Clarice Lispector. Achei longo, detalhista demais, confesso. Embora eu também seja prolixa. Mas parei em Ofélia, uma menina de 8 anos.
-Que tinha ela?
-Segundo a narradora, Ofélia era bem desenvolvida para a idade dela. Aconselhava como adulta no quesito compras, cuidados de casa, vaidade feminina, precisava ver a bruxinha!
-E o pinto, entra onde aí?
-Ofélia matou. Por inveja. Ela percebeu que a escritora(narradora) apreciava o pintinho que havia comprado para seu filho. Foi na cozinha onde estava  o pintinho, depois simplesmente despediu-se  foi embora. Quando a  escritora percebeu, o pinto já havia virado presunto.
-Nossa! E isso te deixa pensativa assim?
-Quantas vezes fui fria demais? Quantas vezes esbocei uma intelectualidade vazia, esboçando merdinhas? Quantas vezes estraguei o que não era meu por não poder ter para mim? Quantas vezes calculista? Achei detestável, mas quantas de nós, sem perceber, alimentam Ofélia dentro de si?
-Deus é mais! Em mim mesmo não. E nem me pergunto.
-Te entendo... é bom evitar pensamentos inquietantes, não?
-Sempre!
-Agora cuidado, hein?
-Com o quê?
-Para não pisar nos pintinhos que estiverem em seu caminho. Não são muito grandes, então fica difícil percebê-los. E sabe o pior?
-Hum...
-Quando fechamos os olhos a certos questionamentos, Ofélia vai crescendo sem freios. Sem perceber, ignoramos granjas.

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