domingo, 29 de julho de 2012

EntreAberta



Num cochilo, sentiu o vento frio por trás, que não era tão forte, mas estava tão bamba, que inclinou para frente e caiu. Despertou! Assustou-se! Quando olhou para trás viu uma parede. Calmamente assustada seu olhar inclinava para cima a fim de conferir onde terminaria o muro de onde acabara de cair. Desajeitada levantou-se, bateu as mãos uma na outra, sacudiu o vestido alvinegro que vestia enquanto olhara ao redor, em busca de uma forma imediata de escapar dali: do quintal desconhecido.

Tentou sem muito êxito escalar o muro; suspendeu os ombros e pensou: “Vou sair pela porta da frente.” A questão era: Como chegar até lá?Se perpassar pela casa seria impossível. Bater na porta? Sentiu medo e vergonha. Não iria bater. Também, nem precisou. A porta estava entreaberta. Astuciou: “Ora! Se a porta a essa madrugada está aberta e for por descuido, possa ser que os donos da casa estejam dormindo e eu possa silenciosamente chegar à porta da frente e seguir meu rumo. Empurrou a porta devagarzinho (aquele som da porta parecia um agudo de violino infindável pelo silencio do ambiente). “Olha! É uma cozinha!” Gostou do ambiente rústico, pelo jogo amadeirado com objetos verdes. Tirou as sapatilhas(agora as trazia em mãos), e entrou na ponta dos pés, mas na tentativa de acelerar sua fuga, adiantou os passos e tropeçou em um tapete daquele território até então, desconhecido. Foi ao chão, que baque! Naqueles segundos, com o rosto próximo ao chão, quis correr mais do que nunca porque agora certamente alguém acordaria com aquele barulho. Mal fechou a “boca do pensamento” e erguia a cabeça, quando sua visão alcançou adiante dois pés; mais acima canelas, subindo mais um pouco uma toalha em tom claro; mais acima pele, uma barriga masculina; acelerou o movimento, e enfim, o rosto dele. E sua voz? “Quer levantar, por favor? Quem é você?”

Ela, estabanada como sempre, sem saber ao certo o motivo daquele encontro, nem por que estava ali, ouvia essa pergunta como uma expressão logarítmica a decifrar e desnorteada levantou rapidamente, segurando a mão estendida do moço e não deu uma palavra sequer.

Ele assustado, indagava consigo: “Meus Deus, que louca! Quem é ela? Sente medo, mas o meu medo por encontrar um estranho no chão da minha cozinha, numa hora inesperada, não deveria ser maior? ”E expressou:” Ei! Me diz: Que faz aqui?”

Ela correu de forma tão desesperada, que tombou no balcão e derrubou pratos e vasilhas que ali estavam, escorregou por pisar em plásticos, por pouco não se furou com o garfo que estava na pia; e ele, em frente ao balcão, continuava sem entender aquela figura pitoresca e inédita que se debatia em sua cozinha, interrompendo se sagrado sono, sabe-se lá por que diabos!

A essa altura já estava invocado; pulou por cima do balcão para encostá-la na parede e tirar dela a causa daquela parafernália que tornava sua noite inusitada. Ela engatinhou por baixo da mesa, já saiu no corredor, e se bateu numa porta à esquerda. Entrou! Bateu a porta e respirava aceleradamente ofegante. Assim que a moça mergulhou por baixo da cama, ele empurrou com muita força a porta, dirigiu-se ao guarda-roupa e com uma velocidade desordenada puxava as peças de roupa, cama, banho e lançava ao chão, à procura daquela garota que no parecer era, até então, no mínimo louca. “Velho, cadê ela? Será que é uma bruxa?”

Ela ofegava em seu esconderijo, e ele diante do guarda-roupa. Ela novamente avistou os pés, e temia o dono da casa olhasse debaixo da cama, quando se esticava lentamente para o canto da parede e o mais temível aconteceu: Ele baixou a cabeça: “Ei louca, bruxa, ou quem quer que seja! Não precisa medo, pula já daí!” A louca esticou-se pela lateral e embolada entre tantos panos, chegou à porta, desembestou pelo já conhecido corredor que agora deu numa sala, com ornamentação típica “fim de jogo” de homem solteiro. Achou graça (se morasse sozinha não duvida que aquele cenário pudesse representar sua sala numa noite ou outra). Pulou no sofá, tropeçou no banco, mas equilibrou-se. Avistou um copo com Whisky, sentiu vontade de tomar, mas o momento era de fuga! Avistou a porta, e correu em sua direção como quem enfim encontrou o símbolo da liberdade que tanto almejava; pegou na maçaneta já em tom de alívio e girou rapidamente quando esta travou- Que droga!- Não sei qual a sensação pior: perceber que a porta estava trancada, a mão fria em seu ombro, ou a voz: “Ei! Que bagunça é essa? Por que agora, pelos fundos da minha casa? Quem é você?”

Olhos arregalados, boca seca, mãos geladas, coração acelerado e voz sufocada:

-Eu, eu... Não sei! Não sei como vir parar no seu muro, não sei que atraso me traz aqui. Despenquei pela porta do fundo, mas quero sair pela porta da frente. Só isso. Abre pra mim?

-Mas assim, a essa hora? Melhor ficar, fica! Olha... Não tem mais ninguém aqui. Faz pouco tempo que estou sozinho, mas fica. Conversa comigo, me fala sobre você...

Aquela instabilidade, tom de incerteza, olhar desconfiado o atraía. E até mesmo a idéia de sair sem rumo lhe era atraente. Queria saber algo sobre aquela criatura.

Ela caminhou até o sofá, sentou-se, trazendo seguro pelas mãos e externou: Olha, sem confetes, nem eu sei ao certo. Sou instável e costumo desconcertar onde me cabe. Olha seu espaço, veja como já baguncei em tão pouco tempo. E se eu tentar ajudar, me baterei em outras coisas e as derrubarei também. Vou a essa hora sim, não quero bagunças mais. Mas quero sair de uma forma digna: pela porta da frente.

Enquanto falava, hipnotizada pelo olhar daquele moço, percebia que algo encantador a prendia ali, e naquele momento, embora se explicasse e pedisse para sair, seu coração repousara. Sentia paz. Até que um bip soou de seu bolso e junto com a quebra daquele silêncio o despertar do encanto. Ela abruptamente desviou o olhar, passou a ajeitar-se e mais decididamente quis sair.

-Tem certeza?

-Não me pergunte; tenho que ir. Me faz um favor?

-Que é? (Que doida! Um pedido? Que será mais que ela quer?)

-Fecha a porta, por favor? Quando eu sair, tranca. E desculpa aí por deixar essa bagunça toda pra você arrumar. Quando eu descobrir quem sou, você terá notícias; mas grito aqui da sua varanda, não precisa abrir. Mas para eu não sucumbir à vontade de voltar, preciso da certeza de que sua porta estará trancada.

Ele, contra sua vontade, sem entender aquele episódio, pegou a chave na estante, vagarosamente caminhou até a porta, encaixou a chave na maçaneta e girou lentamente. Ela fitou aquele rosto desentendido, beijou-o, baixou os olhos e saiu. Desceu aos pulos os poucos degraus e saiu caminhando pela rua. Ele deixou a porta entreaberta, e por aquela brecha, observava cá, distante, o caminhar incerto da moça.

Ela seguia sorrindo do que percebeu: seu vestido preto e branco tinha fortes manchas cor de rosa. Certamente do molho italiano que estava na cozinha ou da tinta fresca na qual se esbarrou na parede do. Passou a mão no pescoço e deu por falta da gargantilha de estimação, viu também que estava descalça, mas isso não mais incomodara.

Ele, ao andar pela casa, encontrara uma gargantilha com pingente de coração em seu quarto; no corredor manchas rosa na parede; as paredes em três cores, do quarto, também manchadas, e sapatilhas em sua cozinha: - Que bagunça! Foi tão rápido, mas não deixou parte alguma intacta!

E lá longe ela pensava: Que curiosidade! Que será que tinha no banheiro? Olhou para trás e percebeu a porta entreaberta, mas já causara desordem demais. Não voltaria, mas que ficou curiosa ficou...

2 comentários:

  1. ... to be continued ... histórias assim, sempre.

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  2. E sem recorrer a lógica qualquer, "ifinita-se"...

    Afinal, "Que será que tinha no banheiro?"

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